Picasso falou sobre sua pintura e o momento em que reassumiu a criança (criatividade) e abandonou a pintura clássica. Ele falou sobre esse acontecimento psíquico explicando que ao observar desenhos de crianças vislumbrou que a criatividade real é aquela na qual o artista faz a catarse do momento da inspiração e não dá retoques na construção artística obtida. Seria o que podemos denominar de uma volta ao berço. Quando ficamos retocando um desenho em busca de uma forma mais definida e aperfeiçoada, aí a inspiração foi trocada pela técnica e pelo medo. Em suma, o artista estraga e deforma a inspiração, muito embora alcance aplausos e efeitos mais decorativos. Não vamos discutir se o aperfeiçoamento da inspiração primitiva seria a inspiração para belo ou a continuidade da inspiração. Talvez a pessoa estaria consertando um torto no braço e botando um olho do mesmo tamanho do outro, pensando na opinião dos expectadores ou preocupada com acharem que ela não sabe desenhar ou simplesmente querendo impressionar com a apresentação da obra. Mas aquilo que foi consertado seria a expressividade sentimental do momento da catarse da inspiração. A criança não faz isso, deixa todas as desproporções ficarem no corpo do desenho ou da pintura e podemos ter uma visão mais nítida dos sentimentos que ela colocou na sua obra de arte. E todos nós ficamos encantados com os trabalhos das crianças. O adulto tem medo de ser simples e criticado. Por isso se arma, coloca a censura pessoal de sentinela e esconde os sentimentos, diferentemente da criança. Foi então que Picasso, seguindo essa orientação num momento em que necessitava deixar a criança assumir a direção da sua vida e do seu trabalho, resolveu desenhar e pintar como criança, e suas obras de arte repercutiram no mundo inteiro. Ele não não imitou uma criança e nem forçou a mão para desenhar como criança. Seria ilegítimo. Apenas deixou de lado as técnicas e desarmou a psique para deixar a criatividade espontânea fluir. Ou seja, Picasso bloqueou a censura, não a deixou assumir a posição de supervisora do seu trabalho. Ninguém desaprende como ser criança. Observamos duas coisas: toda criança inicialmente é artista e todo adulto pode voltar a ser criança. Isto significa que os elementos da criança nunca se perdem e não desaparecem no adulto. No caso da arte, ninguém desaprende a desenhar como criança, a pintar como criança e a modelar como criança. Quando começamos a deixar de ser criança estamos abandonando um grande tesouro de informações psicológicas. Em muitos casos, quando fizemos da nossa vida um emaranhado de sentimentos depressivos e malfadados, temos que retomar a criança para que ela indique que caminhos devemos tomar na vida. Voltar a ser como a criança que bloqueamos em nosso interior é uma boa receita para a felicidade e o sucesso.
Jornal O DIAS
Reportagem de Jornal O Dias
Artigo de Marco Aurélio Dias, filósofo, espírita e educador
Picasso e a Volta do Adulto ao Berço