O ser humano não tem um amor puro. Seus relacionamentos são uma mistura de ódio e amor. Nas minhas pesquisas, vi que a pessoa guarda no inconsciente um sentimento ancestral de que o outro é um inimigo. A solidão, o estar sozinho, dá uma sensação de maior segurança. Saber que está fora do alcance do outro significa sentir-se salvo das garras do inimigo, das suas traições e das suas armadilhas. Ao mesmo tempo, a solidão traz insegurança, pois a pessoa não tem quem a ajude numa necessidade. Odeia-se o próximo porque ele se comporta como inimigo. Mas, por outro lado, seria ótimo tê-lo como amigo. Durante as relações de amizade e de amor, a pessoa esconde o sentimento de que o outro é um inimigo, mas esse sentimento está ali de plantão. Quantas pessoas tratam outras muito bem pela frente, mas assim que estas se vão, falam mal pelas costas? Quem nunca assistiu isso ou já fez? Esse sentimento ancestral é uma experiência da espécie humana nas relações. Não é o instinto de sobrevivência. As relações humanas sempre foram de furto, roubo, crime, violência, mentira, traição, não só no começo da história do homem primitivo, há mais de 1 milhão de anos atrás, mas é ainda um fato abundante e corriqueiro na vida social do homem moderno. Todos nós fomos magoados e traídos por amigos, amores e conhecidos. O homem tem no inconsciente não só o arquétipo ancestral do sentimento de que o outro é um inimigo, como também suas experiências nos relacionamentos criam um muro que o deixa do lado de cá do convívio humano. Ele olha os outros por cima do muro da sua solidão necessária. A pessoa até pode se enganar dizendo que tem 2 mil amigos no facebook, 3 mil no linkedin, mais alguns milhares no youtube e outros tantos nas plataformas de relacionamento. Mas quando desliga o computador está sozinho e solitário. E quando vai ao mercado comprar os alimentos, sabe que qualquer uma daquelas pessoas que circulam nas ruas pode ser o bandido que vai roubar sua bolsa, espancá-lo ou entrar em sua moradia para furtar os objetos que adquiriu com trabalho e sacrifício. Por isso, a pessoa ama a solidão, muito embora a odeie; ama as pessoas e, ao mesmo tempo, as odeia. O gesto não observável é que o outro é um inimigo em potencial. Muitas vezes a pessoa afasta amigos e amores não porque eles sejam um perigo real, mas porque despertam no inconsciente a autodefesa contra o inimigo potencial, e aí ela os afasta e vai para a sua "toca primitiva", a sua "caverna ancestral" ou solidão necessária. Essa mão dupla de amor e ódio entre a autodefesa (intrapessoalidade) e a necessidade de se relacionar (interpessoalidade) pode ser caracterizada como a síndrome da solidão. Trata-se de um comportamento inconsciente. Mas as relações sociais são limitadas por esses sentimentos. Aumentamos, diminuímos ou bloqueamos esses limites de acordo com a confiança ou desconfiança que sentimos no outro. Mesmo assim, nossa psique possui compartimentos bloqueados para acesso a amigos, amores, parentes, filhos ou qualquer outra pessoa. Qualquer um que se aproxime dos nossos segredos psicológicos é considerado inimigo, e, automaticamente, abrimos a porta da caverna ancestral e nos refugiamos. Ali só nós entramos. Porém, normalmente, conservamos esses locais fechados e não nos aproximamos deles. O fato é que temos mil razões para estarmos sozinhos. E assim se pode explicar o motivo pelo qual o amor não é puramente amor.
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