Numa de minhas viagens conheci Camilly Destron. Ela ocupou a poltrona ao meu lado e começou a ler atentamente um artigo numa dessas revistas de modas e dicas. A certa altura ela bateu em meu braço e dirigiu-se a mim apontando o absurdo do título de um artigo na revista em que estava lendo sobre a infertilidade feminina. O título era assim: A Figueira Maldita. Colocou o dedo no título do texto e repetiu que se tratava de um absurdo. Quando eu era criança ouvi uma conversa entre duas mulheres na rua onde minha tia Laura morava. Enquanto eu brincava com a bola, as duas conversavam ofendendo minha tia Laura. Disseram que ela era uma figueira maldita. Ouvi e guardei. Não sei o que pensei. Acho que não pensei nada na hora. Mas a palavra "maldita" me deixou pensativo ou preocupado. Pareceu-me que tia Laura havia cometido algum ato odioso. O que poderia significar "figueira maldita"? Na época, eu não sabia. Eu também não sabia o responder às indagações da minha companheira de banco. Nem estava muito disposto a conversar. Mas observei que ela pintara as unhas em tom azul. Vi a brancura de suas mãos. Os dedos finos. E usava um belo anel de valor. Olhei-a no rosto. Reparei que era ruiva. De olhos fortemente azulados. Mais que muito bonita! Apresentou-se e disse que se chamava Camilly Destron. E continuou a narrativa. Enquanto ela falava, eu fiquei lembrando que costumava visitar tia Laura. Ela sempre tinha doces. Também me dava alguns "nicolaus" (dinheiro) e uma pequena dose de vinho do porto. Era uma viúva bondosa. Vivia sozinha. Quase não saía. Nem ia ao portão. Nunca visitava os parentes. A palavra "maldita" não encaixava no seu perfil. Seu defeito para a vizinhança era não ter tido filhos. Eu fui concordando com Camilly. Balançava a cabeça, e ela falava. Lembrei que nunca tive coragem ou iniciativa de perguntar a Tia Laura a razão pela qual a chamavam de "figueira maldita". Passei minha infância toda com essa tal "figueira maldita" mal resolvida na cabeça. Foi só na adolescência que descobri o significado de "figueira maldita": é a mulher que não consegue gerar filhos. Detesto essa expressão e gostaria de nunca tê-la escutado. Minha tia Laura era um doce. Acho um preconceito descabido e injusto cognominar de "figueira maldita" a mulher que não pode gestar. Como se ela tivesse culpa disso ou tivesse a obrigação de dar filhos ao mundo. Acho uma discriminação muito grande. Foi uma das minhas maiores decepções com o ser humano. A viagem foi agradável e comunicativa. Mas terminou. Despedi-me da jovem mulher. Encantei-me com a sua habilidade de abordar outra pessoa como se já a conhecesse, fazendo-se ouvir com um assunto que preenche aquele momento e rouba nossa atenção.
Jornal O DIAS
Reportagem de Jornal O Dias
Artigo de Marco Aurélio Dias, filósofo, espírita e educador
A Mulher Figueira Maldita