As pessoas nascem e morrem, mas a humanidade está sempre viva! O que é a pessoa que nasce e morre e não escapa ao processo de vir a ser da vida? Pela proposta como a fenomenologia da vida foi criada, é óbvio que a criação não objetivou a vida eterna para as criaturas. E por que a natureza não optou por criar uma humanidade que não envelhecesse e não fosse interrompida no desenvolvimento pelo envelhecimento e pela morte? A maior angústia de Nietzsche tinha raízes psicológicas exatamente na observação de que as pessoas não são privilegiadas, não são o objetivo final da vida, não são entidades eternas, e todo o discurso da importância das pessoas junto aos interesses da Criação depois da morte, não encontra respaldo na observação da fenomenologia da vida. Ao longo da História, as pessoas complementaram a vida que acaba com o discurso da vida eterna depois da morte. No entanto, o observador é apenas uma estrutura psicossocial que capta e transmite informações de angústia ou prazer, satisfação ou insatisfação, ao inconsciente biológico da natureza e ao inconsciente coletivo social. Qual é, pois, a utilidade da existência da pessoa, se esta não existe para si, mas para o vir a ser da vida? Se a utilidade da pessoa é para o vir a ser da vida, e não para si, nem mesmo ela pode conhecer qual é a sua própria utilidade. Evidentemente que o universo não foi feito para que Nietzsche existisse e fosse útil ao padeiro indo comprar pão na padaria. Podemos entender que Schopenhauer compreendia a pessoa como cobaia ou experimentação do vir a ser desconhecido da vida? O mesmo acontece com qualquer outro ser vivo. Não se trata de que a seja uma cobaia do laboratório biológico da natureza. Porém, o que observamos é que a existência da pessoa não é para si mesma e sim para a evolução da espécie. Se a existência da pessoa fosse para si mesma, certamente as pessoas nasceriam e continuariam a viver indefinidamente, e, com certeza, Nietzsche poderia sentar em algum bar com Sócrates e compartilhar percepções sobre o fenômeno da existência. A "vontade de viver" que a pessoa sente em si não é nascida na própria pessoa, ela é da vida que flui através da pessoa. Observe-se que os seres vivos nascem e morrem, mas a vida está sempre viva. Neste sentido, a vida que a pessoa vive é uma enganação, pois a pessoa é como se fosse uma criança que brinca com a bicicleta do coleguinha que logo vai pedir que a devolva. por um momento, a criança esquece que a bicicleta não é sua. A existência tem o mesmo sentido. Do mesmo modo, a sociedade engana a pessoa e permite que se viva a vida que a ela interessa. Vive-se a vida que interessa as religiões, aos "valores morais", aos valores econômicos e aos valores políticos. A angústia existencialista não está só em não ser o motor da existência, mas em não querer ser enganado e tentar não se deixar enganar pela vida e pela sociedade. No entanto, observa-se que a enganação mantém o controle de tudo. A sociedade é moldada pelos valores morais das religiões, pelo menos no discurso das instituições, e não na prática, é um cabresto que impede o desenvolvimento cognitivo e social das pessoas, e deveria, para Nietzsche, o cidadão racional livrar-se desse cabresto ou dessa enganação, pois esta pode ser derrotada através de uma educação que ensine a criança a pensar. Temos dois problemas ontológicos: primeiro, que a pessoa não pode compreender a existência do ponto de vista da Criação, mas só do ponto de vista pessoal, através de relatos de suas percepções; o segundo, é que a vida não tem interesse em que as pessoas compreendam sua existência cósmica e muito menos que compreenda quais são os seus objetivos no vir a ser. O ser humano não existe como finalidade para si mesmo, mas para processar informações sobre a vida biológica e cultural. Observemos que a bicicleta não tem serventia para ela mesma, mas para servir como transporte. Se a deixarmos parada em algum lugar, ela vai ficar naquele local sem nenhuma função. A mente humana seria como uma bicicleta para a natureza. Sua função principal é captar e transportar informações biológicas e culturais. Qual seria o limite de entendimento da mente? Até que ponto a pessoa pode compreender a existência. Não há limites. A sociedade inventa padrões e valores morais, religiosos, econômicos e culturais, e é isto o que limita o entendimento da observação. Se a criança não for educada para desafiar e ir além dos condicionamentos sociais, culturais, religiosos e morais, a mente dela vai ser como uma bicicleta estacionada e sem função. Nada mais horrível do que uma sociedade reproduzindo, geração após geração, valores (religiosos, morais e culturais) e não conhecimento científico. A angústia de Nietzsche era decorrente do fato da pessoa existir e não ser a entidade, ser apenas a pessoa que nasce e morre e não a humanidade que continua viva, eterna. Existir temporariamente é o mesmo que ser e não ser. Isto gera uma insatisfação psíquica muito grande, pois apesar de termos uma psique, de pensarmos, não tomamos posse dessa estrutura. Sentimos que a estrutura psíquica existe. O penso, logo existo, de Descartes, é um processo psíquico que define o observador como racionalidade, e já Aristóteles dizia que toda pessoa "é um animal racional". No entanto, diríamos que é irracional da parte da vida desperdiçar as vidas já criadas para ficar criando novas vidas. Usamos a mente, mas ela é apenas um processo abstrato que funciona dentro de cada pessoa, além de ser um mecanismo invisível. Do mesmo modo, não podemos agarrar a juventude e impedir que ela se transforme em velhice. Todo o processo da vida ocorre independentemente da nossa vontade. Existe um contraste entre o uso do corpo físico e o uso da psique, pois o corpo nós apalpamos e vemos, o que causa uma impressão psíquica mais forte de que existimos. Mas a mente a pessoa não vê, não vê o pensamento e nem sabe de fato onde ele está ou como ele opera. A psique existe como um fenômeno em nós. No entanto, a construção do conhecimento é uma possibilidade infinita e, sem dúvida, o conceito de pessoa pode ser definido como melhor na área do conhecimento. E, mesmo assim, não sabemos para que serve acumular ou se desenvolver através do conhecimento. O fato de desconhecermos o objetivo da existência deixa qualquer resposta ou proposta filosófica sem consistência. Não somos uma entidade, somos um processo, e processo não é algo definido. Por isso, observamos que as pessoas nascem e morrem, enquanto que a humanidade está sempre viva. Do mesmo modo, as pedagogias nascem e morrem, porém as escolas estão sempre abertas. Todas as religiões e princípios morais falharam na missão de pacificar a pessoa e construir uma sociedade de respeito ao outro e entendimento cordial. Não seria o momento de ensinar a criança a pensar, para se defender do conjunto de condicionamentos aos valores sem valor? Como nossas expectativas de sermos uma entidade estão justamente localizadas na psique, que é abstrata, fica diagnosticada a angústia de não sabermos onde existimos e nem observarmos fisicamente esse processo de nós mesmos. O pensamento é a única ferramenta para tentar conhecer como ocorre o fenômeno psíquico. Mas o pensamento não é uma entidade. Ainda que saibamos que a pulsão sexual estimula e provoca a psique, conforme as descobertas de Freud, isso não caracteriza o entendimento de si mesmo e nem é uma resposta que satisfaça a sensação de insegurança existencial. Gostaríamos de poder agarrar algo que fosse nós mesmos, exatamente como apalpamos fisicamente as coisas ao nosso redor. O fato é que não podemos separar o funcionamento da psique dos objetivos evolutivos da espécie humana. Aprendemos que a função da mente seria separar-se do corpo e sobreviver como entidade eterna em algum lugar, como se a mente fosse separada em porções ou pedaços que chamamos de espíritos. Nessa ânsia de ter uma identidade tentamos individualizar a mente e dar-lhe uma função pessoal. Mas ela é apenas um processo psíquico interiorizado em cada pessoa, bem como em todos os seres vivos, e tem como objetivo captar e transmitir informações, que, por assim dizer, impulsionam a evolução para novas adaptações e performances evolutivas. O pensamento filosófico identifica a raiz da angústia existencial no fato da pessoa "ser e não ser". O ser humano é um artifício da evolução, não existe para si mesmo, existe como uma estratégia da natureza para atingir objetivos que não são completamente entendidos pela racionalidade humana, e o processo contínuo de vir a ser não é algo que sacia a existência individual.
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