Historicamente, os seres humanos são inimigos. As centenas de milhares de anos de violência física primitiva praticada entre eles, desde o tempo dos trogloditas, e até muito antes, não podem ser apagados com a relativamente curta história do homem moderno. Instintos e traumas ancestrais, lutas corporais, guerras religiosas, políticas e culturais fazem parte da mente humana. Viver socialmente é optar por lados e entrar na guerra. Mas, também, queremos saber se é possível cortar esse laço com os instintos primitivos e progredir psicologicamente em vez de regredir? Sim, porque a humanidade vive dentro de um corredor psicológico e evolutivo, por meio do qual pode transitar de volta aos tempos primitivos ou ao futuro mental da humanidade. Para evoluir, é preciso construir uma liberdade diferente da liberdade absoluta (o mundo do crime) que a mente primitiva oferece, e essa liberdade mental só pode ser conquistada através do desapego e do discernimento. Dizei-me se uma pessoa religiosa pode ser livre. Eu vos respondo que não. Por quê? Porque ela está agarrada a conceitos e preconceitos, está em estado de guerra com as outras culturas. Por outro lado, dizei-me se o ateu pode ser livre. Respondo, igualmente, que não. Por quê? Porque ele está agarrado a conceitos e preconceitos da não aceitação de Deus e das religiões. Está em situação de guerra atacando mentalmente os outros com suas opiniões. Liberdade é um estado de autonomia mental. Se inventais uma religião para dominar as outras pessoas e obterdes benefícios disso, estais escravizados e subjugado ao outro. Por que desejo ser padre? Porque desejo dominar o outro e trazê-lo para a minha religião. Isso é liberdade? Não! Estou preso ao outro. Ser livre é estar livre do outro. Não podeis caminhar, se viveis preso ao outro, seja para dominá-lo ou sujeitar-se aos seus caprichos culturais. As culturas deveriam funcionar no psicológico como temas para reflexão, para pesquisa e não como paixão, não para determinar o modo de pensar e de agir. O que caracteriza um povo é a sua cultura, evidentemente, mas o indivíduo pode se libertar do jugo da cultura e usar o discernimento para deixar de ser dominado pelos conceitos e preconceitos dela. O desejo de ser aceito na sociedade é que faz a pessoa assimilar a cultura dos grupos. Você perguntaria se é possível viver sem estar em guerra cultural de opiniões herdadas pela humanidade. Eu diria que é por esse método que a pessoa pode alcançar a liberdade, a autonomia e se livrar dos retrocessos primitivos aos tempos dos trogloditas. Todo retrocesso à perda da razão é um distúrbio psicológico, é um estado mental, até muito comum, caracterizado pela interrupção da sequência normal da razão e da ética do homem moderno, durante a liberação de instintos reprimidos; é um recuo psicológico aos tempos dos trogloditas que habitavam as cavernas, um afastamento das regras construídas historicamente pela razão humana e que regem o comportamento social. O indivíduo entra no túnel psíquico da evolução, fica travado lá e responde com práticas de liberdade absoluta que eram comuns no tempo dos trogloditas, passando a desenvolver comportamentos arbitrários de liberdade absoluta, de vida sem regras e sem leis, que a sociedade moderna considera crimes e devem ser punidos. As guerras são motivadas por retornos culturais aos tempos primitivos onde o mais forte fazia justiça com as próprias mãos. O estupro é um exemplo clássico desse distúrbio. As depredações, os vandalismos, as pichações, em prédios públicos ou particulares, representam um surto momentâneo em indivíduos com propensão ao retorno à caverna. A pessoa pode apresentar esse distúrbio, ocasionalmente, em algum momento da vida, mas, posteriormente, obter controle sobre ele, coibindo esse comportamento, ou pode manifestá-lo em sequências rotineiras, tornando-se um hábito social criminoso e constituindo uma doença psicológica. A violência física nos lares contra mulheres e crianças, bem como todos os acessos de raiva descontrolada, são sintomas do distúrbio do Retorno à Caverna. Esses ataques podem funcionar na mente como um instinto de liberdade absoluta liberado, o que não é aceito pelos preceitos da liberdade social organizada através de leis, direitos e deveres. O instinto de liberdade absoluta reprimido, quando liberado, quase sempre é mais forte do que a razão e acaba agindo ocultamente como uma prática que visa prejudicar o outro. O submundo do crime, nas sociedades modernas, é o que restou do mundo sem leis que predominava antes do surgimento das regras sociais e do senso do bem comum construído pela racionalidade humana. O ladrão, por exemplo, é alguém que não respeita o direito do outro e nem a propriedade do outro e se acha no direito de tomar para si aquilo que o outro conquistou através do trabalho ou de meios legais. Esse indivíduo vive fisicamente nos tempos modernos, porém sua mente se afastou em muito da sociedade, recuou aos tempos primitivos e se estabeleceu no estado de liberdade absoluta, sem leis e sem respeito ao próximo. Em algum momento da vida mental, o estresse causado pela necessidade de sustentar a personalidade social pode causar um rompimento da razão. Nesse momento, a sombra (que é o indivíduo livre reprimido) se apodera da mente da pessoa induzindo-a a comportamentos fora da lei e proibidos, os quais estavam retidos, bloqueados e dominados. Isso também pode ocorrer como resposta a traumas morais ou físicos anteriores, vividos desde a infância. Então, ocorre que a liberdade primitiva é liberada, o indivíduo é acometido por surtos, age com violência irracional e com arbitrariedades que invadem a vida íntima ou os direitos de outrem. Mas é fato que sofremos influências psíquicas de todas as fases evolutivas da mente humana. Nos casos considerados normais, quando o indivíduo está no controle da sombra, essas fases evolutivas dos sentimentos ancestrais são refreadas e o homem primitivo fica retido e bloqueado, deixando o homem social se relacionando dentro das leis estabelecidas e em franca cordialidade com o semelhante. Quando isso não acontece, o filtro da razão não funciona, e o resultado é que o indivíduo libera o homem primitivo e comete atos criminosos ou irracionais que são repudiados nos relacionamentos sociais. Mas, com toda certeza, a mente social do ser humano não é contínua, ela tem intervalos de mente primitiva. A racionalidade do homem moderno normal funciona na mente com uma sequência repetida de impulsos primitivos que são ato contínuo substituídos pelas regras da mente social. Esse processamento de reflexões compara os conceitos do que somos e do que devemos representar. Seria algo assim: sei que sou um animal, porém devo me comportar como uma pessoal social. A banana que está na loja é para ser comprada, mas também sei que ela não é de ninguém e poderia ser comida, sem nenhum ônus ou constrangimento moral, por qualquer um que tivesse fome. Essa sequência não pode ser interrompida. Os impulsos primitivos, na pessoa sadia, são substituídos pela razão social. Caso contrário, o indivíduo comete delitos. No entanto, se o impulso primitivo é injusto do ponto de vista da razão social, esta é igualmente injusta para o ponto de vista da razão primitiva. Tanto é crime entrar na loja, pegar a banana e sair sem pagar, quanto é crime tirar a banana da bananeira e colocá-la na prateleira da loja para ser vendida. Tanto é crime invadir um quintal, quanto é crime cercá-lo. Os índios viam como crime o costume do homem branco cercar a terra e conceituá-la como sua propriedade, impedindo as outras pessoas de andarem livremente por ela. Mas a razão social optou por legalizar certos comportamentos ilegais e devemos reconhecê-los como direitos modernos. A substituição da razão natural pela razão social é indispensável para que o indivíduo seja civilizado.
Jornal O DIAS
Reportagem de Jornal O Dias
Artigo de Marco Aurélio Dias, filósofo, espírita e educador
O Distúrbio da Caverna - Psicologia