Temos o desejo natural de vida eterna. Ele contrasta com a percepção de que a nossa vida termina. A mente canaliza a pulsão da vida, é estimulada pelo instinto natural de sobrevivência e o transforma em mito de imortalidade da psique. Temos o desejo instintivo de continuidade e o desejo racionalizado de continuidade. O desejo natural de vida eterna é um atributo da pulsão da vida. Mas o desejo de sobrevivência pessoal eterna é uma fantasia criada em cima do instinto natural de sobrevivência. Estimulados pelo instinto, lutamos para sobreviver fisicamente. Para nos motivar mais ainda, alimentamos o mito da continuidade pessoal depois da morte. Sabemos que a vida ao nosso redor continua depois que morremos. Essa certeza da continuidade da vida natural do planeta estimulou a criação do mito da continuidade pessoal e alimentou sonhos de que a morte não é o fim de tudo para quem morre. Porém vida eterna é a que se reproduz à nossa volta. Todo dia nasce gente e morre gente. A roda da vida não para. A vida só é contínua porque repõe os corpos que morrem e são descartados, como acontece com as células do corpo. Através da reprodução, continuamos vivendo, porém nossa psique não se reconhece naquele outro. A nossa vida eterna está na reprodução. Gostaríamos de ser a vida eterna que nos rodeia. Não queremos nos separar da consciência pessoal temporária. Esse desejo de sobrevivência eterna nasce do instinto de reprodução que está em toda parte. A vida quer sobreviver. Ela não morre, continua. Não queremos ser descartáveis. Como não conseguimos ultrapassar a barreira da morte física, a psique humana substitui a certeza da morte física pelo mito da sobrevivência espiritual depois da morte. Apagamos todos os defeitos da pessoa que amamos e construímos em cima dela o mito da pessoa perfeita. A morte seria a parte imperfeita da vida. Ela contraria em nós o desejo instintivo de sobrevivência eterna. Então preenchemos essa insatisfação psicológica com o mito da continuidade eterna da vida psíquica pessoal.
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